Réquiem para um sonho

Dirigido por Darren Aronofsky, Réquiem Para um Sonho, assim como seu filme anterior Pi, constitui-se de montagens de cenas extremamente curtas. Na média, um filme de cem minutos possui entre seiscentos a setecentos cortes, já Réquiem apresenta mais de dois mil[1]. Outro recurso usado é a divisão da tela.

As cenas intensas do filme são alternadas rapidamente e, acompanhadas por uma trilha sonora, ascendem intensamente. Após o clímax, há uma breve serenidade até o final, o qual retrata quatro vidas devastadas.

O filme é uma visão frenética, perturbada e única sobre pessoas que vivem em desespero e ao mesmo tempo cheio de sonhos. Harry Goldfarb (Jared Leto) e Marion Silver (Jennifer Connelly) formam um casal apaixonado, que tem como sonho montar um pequeno negócio e viverem felizes para sempre. Porém, ambos são viciados em drogas, o que faz com que repetidamente Harry penhore a televisão de sua mãe (Ellen Burstyn), para conseguir dinheiro, tendo sempre ao seu lado seu amigo Tyrone C. Love (Marlon Wayans), cujo sonho é escapar das ruas e deixar sua mãe orgulhosa. Os três, na tentativa de realizarem seus sonhos, se envolvem com narcotráfico. Já Sara, mãe de Harry, é viciada em assistir programas de TV. Até que um dia recebe um convite para participar do seu show favorito, o "Tappy Tibbons Show", que é transmitido para todo o país. Para poder vestir seu vestido predileto - o que não é pura predileção, o vestido assume uma simbologia maior sobre o sonho americano na vida desta personagem, pois foi este o vestido que ela usou na formatura de seu filho, o momento de mais orgulho de sua vida, e também era o vestido que seu finado marido mais gostava - Sara começa a tomar pílulas de emagrecimento receitadas por seu médico que nem sequer olha para a paciente. Aos poucos, Sara começa a tomar cada vez mais pílulas até se tornar uma viciada neste medicamento.

Com estrutura de fábula, o filme passa por três momentos, verão, outono e inverno, que mostram a queda em espiral do auge da felicidade e conquistas dos sonhos (verão) e chega na mais profunda devastação de suas almas (inverno). A sanidade de Sara se vai e ela acaba hospitalizada contra a vontade, onde ela passa por tratamento de choque. Harry e Tyrone viajam para a Flórida, acreditando poder recomeçar a vida lá, mas a condição cada vez pior do braço de Harry o força a ir ao hospital, onde eles são presos após o médico se espantar com o estado de seu braço e reconhecer a situação como típica de um viciado. Harry tem seu braço amputado. Tyrone precisa lidar com guardas racistas e hostis, trabalho forçado e abstinência das drogas sozinho. Marion vai se degradando em orgias em troca de heroína, enquanto Sara torna-se catatônica em um asilo para doentes mentais.

Mais do que um filme sobre drogas, a obra de Aronofsky trata sobre a obsessão da humanidade com a evasão e a necessidade de se preencher um vazio. Apesar do filme não tratar só a juventude, três dos quatro personagens centrais do filme (Harry, Marion, Tyrone) são jovens que querem elevar suas vidas a um outro significado que fuja da estrutura familiar social estadunidense que lhes é esmagadora, principalmente no caso de Marion, que vem de uma família rica cujos pais pagam seu apartamento e suas sessões de terapia, que ela abandona sem eles saberem. Numa fala do filme, quando perguntada por Harry porque não se dá bem com seus pais, Marion diz que não é o dinheiro que ela quer dos pais. A vida confortável que ela pode levar com os pais não é suficiente para encher o vazio existencial de seus sentimentos. A rebeldia desses personagens perante um mundo que não lhes pode ser completo os leva a sua destruição através de seus vícios.

Ainda que, com estrutura de fábula, como disse o próprio diretor, o filme possua uma “lição de moral”, este não chega a ser moralizante. É um ataque contras as drogas sem dúvida, mas é mais uma penetração nas profundezas das almas desses personagens, que fogem da realidade que não lhes pode ser saudável e entram na crença de seus delírios. Contudo a saída que escolhem – seus vícios - não é capaz de socorrê-los. Nem a realidade do sonho americano que o filme desfigura , nem o caminho pelos vícios é a solução. Nas palavras de Aronofsky, “as quatro personagens têm muitos sonhos e esperanças, mas a dureza de sua realidade os destrói devagar”[2].

Com uma direção excepcional e atuações brilhantes, principalmente de Ellen Burstyn, que concorreu ao Oscar de melhor atriz, o filme é uma análise “barra pesada” dos vícios, muito criativo e original. Infelizmente, a distribuidora errou em lançar no Brasil a versão cortada; nos EUA há outra melhor, sem censura, que passou nos cinemas e virou cult.


Título Original: Requiem for a Dream
Gênero: Drama
Ano de Lançamento (EUA): 2000
Estúdio: Artisan Entertainment / Industry Entertainment
Distribuição: Artisan Entertainment / Summit Entertainment
Direção: Darren Aronofsky
Roteiro: Darren Aronofsky, baseado em livro de Hubert Selby Jr.
Produção: Eric Watson e Palmer West
Música: Clint Mansell
Direção de Fotografia: Matthew Libatique
Desenho de Produção: James Chinlund
Direção de Arte: Judy Rhee
Figurino: Laura Jean Shannon
Edição: Jay Rabinowitz
Efeitos Especiais: Amoeba Proteus


NOTAS
[1] Dado segundo o site The Internet Movie Database (IMDb).
[2] Entrevista com Darren Aronofsky nos extras do dvd.