Páginas da Revolução

Em Páginas da revolução, lidamos com a juventude pelos olhos de Pereira. O personagem principal é um senhor cuja solidão é disfarçada por suas cotidianas conversas com o retrato da esposa falecida. Vê-se em idade avançada e se maravilha, ainda que com angústia, com uma crônica sobre a morte.

O filme passa-se em Lisboa, no ano de 1936. Antonio de Oliveira Salazar é o presidente de Portugal e a Espanha vive a tensão da Guerra Civil que naquele mesmo ano culminaria na ascensão de Francisco Franco. Está-se, portanto, num contexto de grande tensão nos dois países ibéricos e, numa escala ainda maior de análise, no enraizamento de regimes de extrema direita na Europa (considerando-se, além dos casos espanhol e português, Itália e Alemanha). Pereira, editor de cultura de um jornal lisboeta, decide preparar de antemão alguns necrológios de escritores ainda vivos para não precisar fazê-los às pressas. O personagem procura estabelecer contato com o autor da crônica que lera, supondo ser um homem bastante vivido e culto, ideal para seu projeto. Eles marcam um encontro e Pereira conhece Monteiro Rossi (interpretado por Stefano Dionisi) e sua namorada, Marta (Nicoletta Braschi). Ambos jovens, idealistas, opositores à ditadura de Salazar.

O filme traz elementos importantes sobre juventude e morte. O encontro do casal com o editor dá-se em um baile em que é notável a presença da ditadura salazarista: crianças vestem-se com trajes militarizados e ocorren discursos de exaltação. A jovialidade de Rossi e de Marta é intensa, forte. Possuem a poesia de jovens rebeldes, mas estão no papel de contrarrevolucionários. A revolução era vista como a instauração dos regimes totalitários e os que se opunham a isso eram censurados, perseguidos. A imagem de crianças da Juventude Salazarista, no entanto, mostra o caminho escolhido pelo governo para a formação dos jovens em seu território.
A morte, que vem no começo do filme como um acontecimento natural, vai se tornando uma presença constante e carrega aquela mesma poesia do heroísmo de uma morte por uma causa justa. A morte, naquele contexto histórico, é também musa inspiradora dos revolucionários de extrema direita, como o mote de "¡Viva la Muerte!" dos fascistas espanhóis.
Pereira, que se mostra a princípio um senhor pacato, começa a se envolver nesse enfrentamento de forças e ideologias. E enfrenta resistência no próprio prédio, na figura de uma zeladora delatora. Um outro personagem interessante é o barista Manuel que informa Pereira dos acontecimentos da rua, já que o próprio jornalista não entra em contato com essa realidade em seus meios de comunicação fortemente censurados.

Um material à parte para ser analisado são os autores citados ao longo do filme, sobre os quais Monteiro Rossi predispõe-se a escrever. Personagens reais, eles estavam em oposição direta a esses regimes totalitários que se firmavam na península ibérica. Seus poemas carregam o peso da época - aquele início de século XX na Europa.

Baseado no livro "Afirma Pereira", de Antonio Tabucchi.


Título Original: Sostiene Pereira
Ano de lançamento ((Portugal, França, Itália): 1996
Tempo de Duração: 104 minutos
Distribuição: Fábrica de Imagens, Jean Vigo International, K.G. Productions
Direção: Roberto Faenza
Roteiro: Roberto Faenza, Antonio Tabucchi e Sergio Vecchio.