A insustentável leveza do ser

O peso, a leveza e a busca pelo "belo"

Filme psicológico, filosófico ou histórico? Bobagem tentar enquadramentos. A insustentável leveza do ser é um filme, apenas. Um drama construído pelo diretor Philip Kaufman sobre roteiro adaptado por Jean-Claude Carriére. Adaptação, esta, feita a partir do romance homônimo de Milan Kundera, escritor tcheco. O "filme do livro", não é mesmo? Então nossa análise deve necessariamente passar pelo livro. Não. Obras independentes que são, merecem reflexões também diferentes.

O título do filme desvela seu sentido ao longo da obra. Não é colocado somente nas falas das personagens, mas em elementos fílmicos.

O quadro de personagens encontra sua base no tripé "Tomas-Sabina-Tereza". Comecemos por Tomas. Sua aparência sutil, despreocupada, "solta" o torna o símbolo da "leveza". Talvez um pouco exagerada, caricatural. Sempre despojado em suas falas, desafiador, com um sorriso e "jogo" de sobrancelhas irônico, Tomas, interpretado pelo ator Daniel Day-Lewis, é "leve", invadindo muitas vezes, porém, o campo da "canalhice" – a sexualidade é parte integrante do filme. Tal exacerbação não seria de todo ruim – afinal um dos trunfos do filme é exibir e colocar em pauta a sexualidade – se não restringisse as possibilidades de argumento reflexivo presentes em Tomas – afinal, a "leveza" é "insustentável". Sabina é a parceira de Tomas na "leveza". Espírito contestatório, solto, não gosta de estar ou sentir-se presa. Tereza, por sua vez, representa o "peso". O "peso" que interfere na "leveza" e faz com que ela seja insustentável. Franz, professor de uma universidade em Genebra, representa para Sabina o mesmo que Tereza representa para Tomas: a quebra da "leveza", a iminência da catástrofe. Partindo daqui, podemos expandir este argumento para um contexto mais amplo. Não importa, neste caso de análise fílmica, dizer se a estrutura histórica influencia na conjuntura pessoal ou vice-versa. De passagem, diríamos que sim, mas isso é só um acessório para o enredo. Na estrutura do argumento fílmico, é importante notar o jogo entre a "leveza" e o "peso" que a torna insustentável. É baseando-se nesta dinâmica que o filme trata da "Primavera de Praga" e da invasão soviética de 1968: a "leveza" das reformas e do "socialismo com uma face humana" é esfacelada pelo "peso" da invasão soviética. O que importa, no entanto é a leveza do ser, que é insustentável – assim como qualquer leveza. A teoria do "Eterno Retorno" de Nietzche faz-se presente, embora não seja enunciada, e está intimamente relacionada à dinâmica da "leveza" e do "peso". A leveza do ser é insustentável e as situações repetem-se indefinidamente no percurso histórico.

Além da composição das personagens, outro recurso fílmico que trabalha sobre os eixos "leveza" e "peso" é a fotografia. O recurso mais aparente é a contraposição entre "cores" e "p&b". Este é utilizado, na verdade, uma única vez: nas cenas da invasão de Praga. Para além das intenções primárias de conferir dramaticidade e climatizar a tensão do momento, há, em um primeiro momento, uma lógica de alternância entre as cores e sua ausência. A falta das cores inicia-se na transição entre a luz ofuscante do primeiro tanque soviético (na noite do dia 20 de agosto de 1968) e a manhã do dia seguinte, com os tanques e a população na rua. As cores voltam após a morte de dois manifestantes, quando alguma reação aos tanques é esboçada. Somem novamente com mais um avanço das tropas e ora voltam para registrar a reação da população de Praga, ora para efetuar a contraposição com as fotos que tira Tereza (que são "preto-e-branco"). Sinteticamente, as cores, nestes casos, representariam a "leveza", enquanto a ausência delas, majoritariamente relacionada à chegada das tropas do Pacto de Varsóvia, representaria o "peso".

Mas não só o jogo entre ausência e presença de cores está presente no filme. A fotografia opera em conjunto com a dicotomia "leveza-peso" também quando trabalha com a saturação das cores. Nos momentos em que predomina a "leveza" (como nos primeiros tempos de Tereza em Praga ou nos últimos momentos de Tomas e Tereza no campo, por exemplo), a saturação das cores é maior, imprimindo maior vivacidade e "calor" às cenas. Por outro lado, quando a tônica da passagem é o "peso", as cores são menos vivas, ocorre uma dessaturação, deixando a aparência das cenas mais "pesada" (como na volta de Tereza a Praga, após a viagem a Genebra, ou nos momentos em que Tomas e Tereza estão no caminhão voltando do hotel onde haviam dançado na noite anterior, por exemplo).

A tônica geral da montagem do filme é transmitir a angústia que a percepção do sentido de seu título proporciona. Nada é pleno, tudo é melancólico. De duas saídas possíveis para a teoria do "Eterno Retorno" (1 – abraçar a vidar e vivê-la; 2 – adotar uma postura niilista e desesperançada) o diretor "abraçou" a segunda. Por mais que suas personagens tentem "viver suas vidas" buscando a plenitude, o desfecho encontrado é repetidamente o fracasso, a incompletude. O "peso" quebra a "leveza" e – inferência mais sem juízo! – talvez o equilíbrio esteja justamente no incompleto.

Um outro elemento presente no filme chama a atenção: a sensualidade/sexualidade. Além da contestação aos "tabus" que é proposta, pode-se inferir que talvez tal exposição possa refletir, na estrutura fílmica, uma busca pela beleza. Um dos trechos mais belos esteticamente da obra se passa dentro do Ateliê de Sabina em Genebra, quando Tereza a utiliza como modelo e, depois, posa nua. Ali está presente a busca pela beleza, por uma beleza natural, associada à sensualidade. Em outra cena significativa, Sabina, junto a Franz em um restaurante de Genebra, critica a feiúra da sociedade em que vive: flores de plástico, música que incomoda – é barulho, apenas. Não aponta uma saída para isso, mas ridiculariza o gerente e sai dali, no que é acompanhada por Franz. Do lado de fora, declara estar, naquele momento, com desejo sexual. Desejo este que pode estar relacionado à busca pela beleza, uma beleza que associa-se à liberdade e se opõe, por exemplo, ao kitsch – mencionado por Sabina em uma das primeiras cenas do filme. O kitsch, que aparece de maneira extremamente marginal, está relacionado às artes e alude àquelas "enquadradas" em padrões estéticos de regimes totalitários, onde tudo é "sanitariamente" construído e a beleza é falsa. A sexualidade/sensualidade é um elemento importante no filme, e não à toa: a busca da beleza verdadeira, livre, pode estar, dentre muitos outros caminhos, aí.

O fechamento da obra é permeado pelo "incompleto". Tão somente a leveza paira sobre as personagens, Sabina pinta nuvens escuras que anunciam o "peso" de uma tempestade. O filme termina como todas as possibilidades da vida: nunca se sabe o que poderia ter sido. É o "se", a conjectura, naturalmente inútil ao se tratar de escolhas já feitas, de caminhos já percorridos.

Título em português: A insustentável leveza do ser
Título original: The unbearable lightness of being
Ano de lançamento: 1988
Duração: 170 minutos (aproximadamente 2 horas e 50 minutos)
Direção: Philip Kaufman
Gênero: Drama