Para uma melhor análise do filme Laranja Mecânica, é importante contextualizá-lo na época de sua produção. Burgess escreveu o livro em 1962 e o filme foi lançado em 1971, no auge da chamada contracultura. As décadas de 1960 e 70 produziram um conceito artístico de grande apelo visual. Cores fortes, vibrantes eram a marca deste movimento, que produziu inúmeras capas de discos tais como o famoso Sargent Pepper’s dos Beatles.
No filme dirigido por Kubrick esta influência faz-se presente nas cores fortes e contrastantes, assim como na trilha sonora (que parte da idéia contrária do modernismo, que se associa à criação do novo, para a idéia de que tudo já foi criado e a partir de então tudo será re-criado, re-visto, re-lido). Laranja Mecânica conta a história de Alex, do ponto de vista da narrativa em primeira pessoa. Logo no início, ele revela suas intenções: praticar a velha ultraviolência, ajudados pelos seus companheiros. Para tal, espanca um velho mendigo que cantava solitariamente e divagava sobre a eficiência da Lei e da Ordem. Posteriormente, entra numa rixa com uma gangue rival e vence. Já na casa de um escritor famoso, pratica estupro contra a esposa do anfitrião seguido sob a canção sugestiva "I’m singing in the rain". A trilha dessa primeira parte, quase toda erudita, simbolicamente ligada ao espírito da perfeição, do clássico e da virtude, é usada no seu sentido contrário, fazendo uma “cama” sonora para a violência e degradação ética e moral.
A sutileza do filme não se resume a uma análise fria da opressão da sociedade, da violência desenfreada e da critica à libido dominante. Kubrick traz à tona um dos problemas fundamentais da condição humana: a escolha. Se a obra de arte tem algo a acrescentar ao espírito humano, talvez seja o abismo que a escolha provoca e que se reflexe nos atos dos indivíduos: o livre arbítrio que cada um possui e que o Estado faz perder Pode-se citar o momento em que Alex submete-se a um tratamento criado pelo governo para por um fim a criminalidade. Esse tratamento faz com que Alex reaja fisicamente a cenas de violência e estupro por meio do uso de uma tela de cinema e um comprimido que provoca náuseas. A partir deste tratamento, ele se sente impedido de praticar qualquer ato de violência. O enjôo físico condiciona sua ação sem, no entanto, obstar seu espírito. O Governo, esperançoso com o "sucesso" obtido pela técnica, libera Alex de volta ao convívio social.
Nesse momento, a genialidade do filme desponta através do "efeito espelho" das cenas. Alex volta para casa, encontra seus pais indiferentes e um inquilino considerado como filho. O velho mendigo que havia sido agredido por ele o reconhece e desconta as pancadas junto com outros velhos. Os antigos companheiros, agora policiais, levam-no a um terreno e fazem o mesmo. Ou seja, o escritor vê Alex como fruto de sua vingança pessoal e, para tal, usa "Ode à Alegria", de Beethoven, um hino à irmandade e à humanidade, em sua tortura auditiva, transformando a música na sensação pura do ódio, da raiva e da lembrança da agressividade humana. Não há escolha para Alex e ele tenta o suicídio.
Isso causa um mal estar no Governo que, pressionado pela impressa em época de eleições, faz uma aliança inesperada entre Governo e Alex, como simbolismo da cura verdadeira do personagem. Nesta cena é tocada mais uma vez a mesma peça de Beethoven, agora novamente re-significada, fato que leva Alex ao êxtase e sugere uma “leve” distorção da alegria da humanidade sonhada pelo grande compositor. Este é o fim pessimista que Kubrick realiza em sua magistral obra cinematográfica.
Título Original: A Clockwork Orange (Inglaterra, 1971)
Gênero: Ficção Científica
Tempo de Duração: 138 minutos
Distribuição: Warner Bros.
Direção: Stanley Kubrick
Roteiro: Stanley Kubrick, baseado em livro de Anthony Burgess.